sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

300.000 km/s

“ Por entre a balbúrdia, uma ou outra voz mais alta. As que falam dos deuses todos em torrente de ecos pelo espaço, por entre um fervor de ladainhas. E das divindades subalternas, mais chegadas à humanidade, para socorro das desgraças proletárias, desde o antraz e o coice de mula à espinhela caída – com a casquinada crítica dos descrentes evoluídos, ressoa pelo espaço entremeada à devoção como um grasnar de corvos. A dos políticos salvadores da humanidade num histerismo com receitas prontas a aviar e a defesa aos guinchos da liberdade e da autoridade, que são iguais mas muitíssimos diferentes, porque a defesa da liberdade obriga a defendê-la dos que são contra a liberdade e exige pois uma autoridade de ferro para defendê-la, da propriedade e do ideal comunitário e comunitarismo em escalões, da gestão, autogestão, e semiautogestão, do direito à informação e que tem de ser por isso desinformação por virtude do direito à informação e que tem de ser por isso informação correcta e deixa assim de ser direito à informação que todavia ainda é esse direito mas melhorado embora não seja já direito à informação por não ter esse direito, do direito à cultura que é só à boa cultura porque a má cultura é contra a boa e já não é cultura e precisa de ser afastada para salvaguarda do povo que gosta da má cultura pelo vicio intrínseco de ser povo que precisa portanto de ser defendido contra si para não ser ele mas por aqueles que defendem a boa e podem defendê-la por virtude de serem mandatados pelo povo que não gosta da boa mas da outra, do direito ao trabalho que não é o dever de trabalhar, excepto quando os que defendem esse direito, mandatados pelos que não têm esse direito, conquistam o direito de imporem esse direito que é então um dever e os que não tinham esse direito já não querem, porque o direito e o dever estão cheios de antagonismos, e a defesa da democracia popular da democracia parlamentar e da democracia orgânica, da república da monarquia da oligarquia e da centralização, da descentralização e da anarquia, do presidencialismo e do semipresidencialismo da regionalização e das autarquias locais, do primado do grupo, do primado do indivíduo, do primado da identidade nacional, e a interpretação das leis filtradas trabalhosamente pelos ódios ambições ralhos partidários dos que foram comissionados pela vontade colectiva esquadriada pelos grupos que os sonhos em ambições e ódios esquadriam e foram apurados depois de dias e semanas e meses e saíram depois ainda com uma rede intervalada de orifícios por onde se escaparam ainda em ginástica de rins as ambições teorias princípios salvadores do bem comum que ficaram de fora dos princípios salvadores do bem comum em que se entreteceu a rede das leis, enquanto de outros cantos do mundo outras leis contrárias também para o bem comum erguiam-se em grita e doutros cantos também em beneficio do ser-se em colectividade, cruzadas vozes por cima trémulas de ardor e histeria, embatiam umas nas outras esguichavam como ondas que se entrecruzam pulverizam-se num ruído anónimo de arraial popular. “

Vergílio Ferreira, para sempre

Sem comentários: