segunda-feira, 18 de maio de 2009

'A vantagem de um longo treino e duma escrupulosa concentração no futuro: na hora das realizações estabelece-se um estado sonambúlico intermediário entre o fazer e o deixar fazer, entre o agir e o ser objecto de acção. Isso requer tanto menos atenção quanto é certo que, a maior parte das vezes, a realidade exige de nós muito menos do que imaginamos e, assim, encontramo-nos um pouco na situação do homem que, armado até aos dentes, ao travar uma luta, não tem necessidade, para vencer, senão de manejar ligeiramente uma única peça do seu arsenal. Com efeito, quem liga importância a si mesmo exercita-se no que é mais difícil para se tornar cada vez mais destro no que é fácil e poder ter a satisfação de triunfar, usando dos meios mais delicados e discretos. Ele repele, aliás, os expedientes grosseiros e selvagens, não se resolvendo a usá-los senão em casos de força maior.'

Thomas Mann, in "As Confissões de Félix Krull"

domingo, 10 de maio de 2009

quinta-feira, 7 de maio de 2009


Histórias Negras em Teatro de Terror
Teatro da Trindade, 29 de Abril a 17 Maio

Grupo/Actores: Ana Lázaro, Ricardo Neves-Neves, Sílvia Figueiredo e Vítor Oliveira
Autor: Ana Lázaro, Patrícia Andrade e Ricardo Neves-Neves
Encenador: Ana Lázaro, Patrícia Andrade e Ricardo Neves-Neves

the stormy weather came, (of course) we ignored it

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Ver o mundo inteiro a sentir paralelos do que penso é uma frontal indecência, descomplexos numa ausência de decoro. Desconsidera-se a opção que tomo, já antes na totalidade decidida, e não me concretizo nas decisões que julgo próprias e secretas, porque são de essência partilhada, assaz comentários sob mesa de café - vulgo banalismo verbal de um Universo existente por existir. A ambiguidade que nos sobrepõe mentalmente ao outro, não se resolve a viver provocatóriamente soberbo, engenho de passear na rua e reparar em que quer se-lo. Não somos o que nos determinamos a ser, não demonstramos o que pensamos realidade pessoal, não vejo quem teatrealizo por fora o ser que sou quando o sou: existe-se apenas na carcaça dos gestos que não tomo, e num pálido momento sou um contrário do imenso que julgo dar. Que prova me oferece a letra senão a minha mesma confirmação? Escrevo somente o que quero - e é ignóbil esta realidade, uma frustração roída no âmago, é exclusiva na realidade onde só mesmo eu vivo, onde só mesmo eu mando, onde só e únicamente eu me dou as provas de crimes comprovadamente alheios. Escrever não é ser prolixo, ler não é conhecer muito. Nada do que saboreio me desfia e sei-me um egoista nesta exacerbação patética de egos mundanos. Pouco do que faço me dissolve. Que fiz eu daquilo que faço e como julgo a determinação do que farei? Porque será que a nossa época científica não estendeu a vontade de compreender até os assuntos que lhe são artificiais? Tristes noções tem da realidade quem a limita ao orgânico, à totalização externa de um intrinseco inconcretizavel na aparencia. No fim de uns minutos, quem escreve o livro que leio sou eu, e isto não está realmente escrito até ser eu mesmo, em punho, a faze-lo (sou eu, mas não fui eu). Ler é um abandono e eu tenho a vantagem do repouso e da falta de devoção. Considerar a minha maior angústia lançada a letra e tinta e contracapa como uma coisa sem importância, tem uma propósito feio e cinzento, mas nota-se lá um inicio de sabedoria. Reviro a cabeça ao céu azul esbatido, inconsciente da sua cor, e fecho os olhos depois de ter visto. Não fico melhor, mas fico outro. Rio-me sozinho por agora já não me compreender- a minha única aristocracia é ser igual a todos.