sexta-feira, 29 de agosto de 2008

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

A O S
O EI O S

"Se o homem fosse feliz, sê-lo-ia tanto mais quanto menos divertido, como os Santos e Deus. - Sim; mas não sendo feliz pode animar-se pelo divertimento? - Não; porque vem doutro sítio e de fora; e assim é dependente e, portanto, sujeito a ser perturbado por mil acidentes que tornam as aflições inevitáveis. (...) A única coisa que nos consola das nossas misérias é o divertimento, e contudo é a maior das nossas misérias. Porque é isto que nos impede principalmente de pensar em nós, e que nos faz perder insensivelmente. Sem isso, estaríamos no tédio, e este tédio levava-nos a procurar um meio mais sólido de sair dele. Mas o divertimento distrai-nos e faz-nos chegar insensivelmente à morte."

Blaise Pascal, in "Pensamentos"

"A melhor prova duma real amizade está em evitar os compromissos entre aqueles que se estimam. Ainda que devendo muito aos que muito me louvam, eu não quero ser-lhes obrigada pela gratidão. Mas sim grata porque estou com eles, devido a circunstâncias que a todos nós agradam e são um laço mais entre nós, sem constituírem um dever. Eu pretendo dizer da amizade o que Diógenes dizia do dinheiro: que ele o reavia dos seus amigos, e não que o pedia. Pois aquilo que os outros têm pelo sentimento comum não se pede, é património comum. Neste caso, a amizade."

Agustina Bessa-Luís, in 'Dicionário Imperfeito'
'Poderia definir-se o sentido de possibilidade como aquela capacidade de pensar tudo aquilo que também poderia ser e de não dar mais importância àquilo que é do que àquilo que não é. Como se vê, as consequências desta disposição criadora podem ser notáveis; infelizmente, não é raro que façam aparecer como falso aquilo que as pessoas admiram e como lícito aquilo que elas proíbem, ou então as duas coisas como sendo indiferentes. Esses homens do possível vivem, como se costuma dizer, numa trama mais subtil, numa teia de névoa, fantasia, sonhos e conjuntivos; se uma criança mostra tendências destas, acaba-se firmemente com elas, e diz-se-lhe que tais pessoas são visionários, sonhadores, fracos, gente que tudo julga saber melhor e em tudo põe defeito. Quando se quer elogiar estes loucos, chama-se-lhes também idealistas, mas é claro que com isso só se alude à sua natureza débil, incapaz de compreender a realidade, ou que a evita por melancolia, uma natureza na qual a falta do sentido de realidade é um verdadeiro defeito. O possível, porém, não abarca apenas os sonhos dos neurasténicos, mas também os desígnios ainda adormecidos de Deus. Uma experiência possível ou uma verdade possível não são iguais a uma experiência real e uma verdade real menos o valor da sua realidade, mas têm, pelo menos do ponto de vista dos seus partidários, algo de muito divino, um fogo, um ímpeto, uma vontade de construir e um utopismo consciente que não teme a realidade, antes vê nela uma missão e uma invenção. Ao fim e ao cabo, a Terra não é assim tão velha, e não se pode dizer que o seu estado alguma vez tenha sido verdadeiramente interessante. Se quisermos então distinguir de uma maneira fácil aqueles que se guiam pelo sentido do real dos que se guiam pelo sentido do possível, basta pensarmos numa determinada soma de dinheiro. Por exemplo: tudo aquilo que mil marcos contêm, efectivamente, de possibilidades, está de facto neles, quer os possuamos quer não; o facto de o senhor Eu ou o senhor Tu os possuírem não lhes acrescenta nada, como nada acrescentaria a uma rosa ou a uma mulher. Mas, dizem os do sentido de realidade, um louco faz com eles um pé-de-meia, enquanto um homem prático os põe a trabalhar para si; até à beleza de uma mulher aquele que a possui acrescenta ou retira alguma coisa. É a realidade que desperta a possibilidade, e nada seria mais errado do que negar isso. E no entanto, no cômputo global ou em média, as possibilidades serão sempre as mesmas até aparecer alguém para quem uma coisa real não é mais importante do que uma imaginária. É ele que dará às novas possibilidades o seu sentido e a sua finalidade, é ele que as desperta. ´
Robert Musil, in 'O Homem sem Qualidades'

domingo, 24 de agosto de 2008


'É comum sim, sem dúvida, e recíproco, sim também, e nada há de ridículo; mas não vou inventar-te razões. Quando as perguntas mais são nossas, menos as respostas são dos outros – seria adoptar como legitimo uma tua bastardia. (suponho que tenhas que ver antes de pensar em ver, como em todas as decisões antes das razões para elas, percebes? Não sei bem…) Eu quero ‘apenas’ mais futuro… e saber que horas marca o teu relógio.'
Frank Green in 'D.'

"O tipo de bem-estar proporcionado por uma conversação animada não consiste propriamente no assunto da conversação; nem as ideias nem os conhecimentos que ali podem ser desenvolvidos são o seu principal interesse. Importa uma certa maneira de agir uns sobre os outros, de ter um prazer recíproco e rápido, de falar tão logo se pense, de comprazer-se imediatamente consigo mesmo, de ser aplaudido sem esforço, de manifestar o seu espírito em todas as nuances pela entoação, pelo gesto, pelo olhar, enfim, de produzir à vontade como que uma espécie de electricidade que solta faíscas, aliviando uns do próprio excesso da sua vivacidade e despertando outros de uma apatia dolorosa. (...) Bacon disse que "a conversação não era um caminho que conduzia à casa, mas uma vereda por onde se passeava prazerosamente ao acaso".


Madame de Stael, in 'Do Espírito de Conversação'

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

"Toda a Igreja Católica Apostólica Romana ergue cânticos de júbilo! O Sr. Presidente da República vetou a pecaminosa nova lei do divórcio, aprovada pela cambada de anti-cristos da nossa AR. Sou sincera: ainda não analisei ao pormenor a nova lei do divórcio. Mas, se a Igreja aplaude o veto, a lei só pode ser boa. Com certeza, ajudará muito boa gente a corrigir um erro do seu passado: casar.E já agora, um recadinho para o Vaticano: Sr. Papa, seria bom que a Igreja revisse a sua posição quanto ao divórcio. É que, quando os homossexuais do nosso país puderem casar, os fiéis não saberão se são a favor ou contra o divórcio deles... Apesar de o casamento civil ser um assunto em que as religiões não têm nada que vir meter o bedelho.Recadinho também para a AR: agora que a lei vos foi devolvida, façam o trabalho como deve ser e revejam as questões patrimoniais que se levantam. É capaz de não ser justo que o cônjuge que passou a vida a dar porrada no outro peça o divórcio e saia em vantagem porque era o único que trabalhava... Se calhar não é má ideia ter o regime de separação de bens como supletivo."



'The only thing to do with good advice is pass it on. It is never any use to oneself. '

Oscar Wilde

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

A cada carta do Francisco Gentil EPE coroada com a referência GU/59/2008-8071365, dirigida à minha pessoa, que recebo cá por casa, nasce uma alma nova na já nova alma que tenho. Ainda nao sei bem do que é que mais gosto: da decisão economica em enviar-me por um só carteiro duas respostas a reclamações de dias distintos, ou de dessas respostas não resultar outra coisa para lá do já gasto e velho: ' Iremos, a nivel de conselho de administração, elaborar um relatório atendendo aos factos por Sua Ex.ª explanados para, no prazo máximo (adorooooo) de 30 dias ser-lhe comunicada a decisão que for tomada.' Ah! E se quiser acrescentar ou receber informações adicionais, nao me posso esquecer de enterrar um mail na vala comum que deve ser o serviço virtual : gutente@ipocoimbra.min-saude.pt. Gutente? Gonorreia do Utente? Guta Moura Guedes, força nisso, Tente! (?) Gostas, Utente? Gofres à Utente? Mas da quase infinita possibilidade de conjugar termos ou expressões da lingua mãe, o melhor que se foram lembrar é a sonolencia do termo... ...do termo Gutente? Isto de nos preocupar a sintaxe alheia já deu o que tinha para dar.
Quanto a si, Dr.Guteiro que isto é povo, people da plebe, mas gente letrada, like Lord of Gutenteh: Neste momento do ano sei que V. Ex.ª, Sr. Carlos Paiva, meu prezado ouvinte, coordenador da secção, deve andar a rogar-me as mais complexas pragas de magias wicka, para ver se me vê a pôr um final ponto final nas minhas mui expressivas, compreensivas e consecutivas reclamações, pedidos e queixas. Mas nada tema que isto passa. Ou então não, ainda estamos para ver.
Ou aliás, deveria, visto eu achar que aquela assinatura é falsificada e que tal sujeito se encontra a torrar a derme numa qualquer apenhada praia do sul, nada fazendo. Cambada de brolhos.
o revoltado assalariado de 'Diaporese'

misread (a huge big all of that)

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

'Os males de que foges estão em ti.'

Séneca

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

The Last Shadow Puppets

'A utilidade dos inimigos é um daqueles temas cruciais em que um compilador de lugares-comuns como Plutarco pôde dar a mão a um arguto preceptor de heróis como Gracian y Morales e a um paradoxista como Nietzsche. Os argumentos são sempre esses - e todos o sabem. Os inimigos como os únicos verdadeiros; como aqueles que, conservando os olhos sempre voltados para cima, obrigam à circunspecção e ao caminho rectilíneo; como auxiliares de grandeza, porque obrigam a superar as más vontades e os obstáculos; como estímulos do aperfeiçoamento de si e da vigilância; como antagonistas que impelem para a competição, a fecundidade, a superação contínua. Mas são bem vistos, sobretudo, como prova segura da grandeza e da fortuna. Quem não tem inimigos é um santo - e às vezes os santos têm inimigos - ou uma nulidade ambulante, o último dos últimos. E alguns, por arrogância, imaginam ter mais inimigos do que na realidade têm ou tentam consegui-los, para obter, pelo menos por esse caminho, a certeza da sua superioridade.Mas todos os registadores utilitários da utilidade de inimigos esquecem que essas vantagens são pagas por um preço elevado e só constituem vantagens enquanto somos, e não sabemos ser, os nossos próprios inimigos. Todo o tempo e esforços que se consomem para nos precavermos contra quem nos odeia, e defendermo-nos, seria muito mais bem empregado nas alegrias da paz e caridade. Viver no meio de um círculo de inimigos pode por vezes exaltar o orgulho, inspirar pensamentos heróicos e elevar acima da mediocridade, mas representa sempre permanecer num clima envenenado que, mais cedo ou mais tarde, enfraquece. Saber que toda a palavra será pesada, todo o acto mal interpretado, toda a obra menosprezada, acaba por suprimir a espontaneidade e vontade de fazer algo - conduz à dúvida e à paralisia. E se a natureza não fosse tão má como é, os benefícios dos inimigos resultariam inúteis. Quem sabe ser inimigo do mal que tem em si não necessita da inimizade dos outros. Não sabendo ou não querendo ser inimigo dos nossos inimigos íntimos, acabamos por ser verdadeiros inimigos de nós mesmos. O verdadeiro inimigo é, para cada um, o amor de si. Se os homens fossem menos invejosos, a prova da grandeza consistiria na admiração e no reconhecimento, e não na hostilidade. Se fossem menos vaidosos e cegos, saberiam a verdade de si por sua conta, sem a aguardar dos adversários. Enquanto formos rancorosos, vaidosos, arrogantes, madraços e propensos à deserção, os inimigos poderão desfrutar - o mal que nos desejam é frutuoso, em alguma parte, em virtude do mal que existe em nós. Mas a verdadeira razão que nos predispõe para a apologia indirecta do ódio é a profunda fraternidade entre quem odeia e quem é odiado. Ser inimigo quer dizer assemelhar-se.'

Giovanni Papini, in 'Relatório Sobre os Homens'

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

'Fala-se sempre muito em aristocracia e democracia. Pois o caso é apenas este: Na mocidade, quando nada possuímos ou não sabemos apreciar a posse tranquila, somos democratas. Mas se, no decurso de uma longa vida, conseguimos possuir alguma coisa, desejamos não somente garanti-la, mas queremos também que os nossos filhos e netos possam gozá-la tranquilamente. É por isso que na velhice somos sempre aristocratas, mesmo que na nossa mocidade tivéssemos tido pendor para uma mentalidade diferente.'

Johann Wolfgang von Goethe, in 'Conversações com Goethe,
de Eckermann'

'E há mesmo momentos de ausência: uma consciência que não é, mas foi, e será, minha, e tua, e nossa, permanente, constante, em eco. Isto existe e se substancia. Superar-te prevê no termo um espaço em vácuo. Queria muito contornar o presente, modificar a solidão espaçada que salta surpresa de todos os cantos. Obliquo – sinto-me. Onde é que tu estás? Por onde é que tu foste? Como não me dizes nada? Pressinto nas vozes que ouço uma discordância futura; e ainda assim isso não me assusta, nem me assiste, nem nada. No topo o espaço estrelado se estende
- E tens de estar por lá.'

Frank Green in 'D.'

sábado, 9 de agosto de 2008

Boomclick

'The only thing that sustains one through life is the consciousness of the immense inferiority of everybody else, and this is a feeling that I have always cultivated.'

Oscar Wilde

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

'Estala luz que rompe o verde e só há de escuro o que se esconde dela. Um universo de fibra fervilha na montanha que bronzeia as costas ao vento de Este, e pelas pedras ovais sobram indecifráveis murmúrios. O golpe esticado na rocha, disposto a uma violação apenas imaginável por qualquer pensar que se imponha às copas, cheira a casca, e a água, e a rãs. E vejo a tua energia correr à minha frente, junto, atrás e comigo, a pisar o castigo do sol pelos trilhos secos: estrela que desaparece, rasgo permanente que nos fica.'
Frank Green in 'D.'
'...não há ideia irrefutáveis. A inteligência sempre se contradiz. O homem de espírito é um eterno devir, a negação das ideias erremovíveis. Se eu julgasse as minhas ideias nítidas e categóricas, faria testamento delas, e, depois, deitar-me-ia entre círios para morrer.'

Agustina Bessa-Luís in 'Dicionário Imperfeito'

terça-feira, 5 de agosto de 2008

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

"Lacónico, preciso daquele nosso mundo. Daquela exacta interjeição onde somos um apenas e somente dentro da vastidão densa que é sermos um só de nós vários; não me é concebível querer mais: é já um universo fora das parcelas que damos aos outros em sistema, para lá da imaginária linha que desenharam na nossa pequena cabeça os livros que lemos, longe do local da união que nos funde no reflexo do vidro, a sombra uniforme dos nossos tão difusos dias.
Nas linhas que me marcam a palma, olho um labirinto onde não desenhei o traço – creio ser precisamente esta a sensação. Da falta que te trago não há história e, a relembrar, porque é o meu presente, num incógnito descoberto me atrapalho pressentindo o meu amanhã -Vê no fundo da minha retina, escava-a.
Toda a pele é feita de fora."

Frank Green in ' D.'

Bent

"Quem quer que seja de algum modo um poeta sabe muito bem quão mais fácil é escrever um bom poema (se os bons poemas se acham ao alcance do homem) a respeito de uma mulher que lhe interessa muito do que a respeito de uma mulher pela qual está profundamente apaixonado. A melhor espécie de poema de amor é, em geral, escrita a respeito de uma mulher abstracta. Uma grande emoção é por demais egoísta; absorve em si própria todo o sangue do espírito, e a congestão deixa as mãos demasiado frias para escrever. Três espécies de emoções produzem grande poesia - emoções fortes, porém rápidas, captadas para a arte tão logo passaram; emoções fortes e profundas ao serem lembradas muito tempo depois; e emoções falsas, isto é, emoções sentidas no intelecto. Não a insinceridade, mas sim, uma sinceridade traduzida, é a base de toda a arte. O grande general que pretende ganhar uma batalha para o império do seu país e para a história do seu povo não deseja - não pode desejar ter muitos dos seus soldados assassinados (mortos). Contudo, uma vez que tenha penetrado na contemplação da sua estratégia, escolherá (sem um pensamento para os seus homens) o golpe melhor, embora o faça perder cem mil homens, em vez da estratégia pior, ou mesmo a mais lenta, que lhe pode deixar nove décimos daqueles homens com quem e por quem luta, e a quem, em geral, ama. Torna-se um artista por amor aos seus compatriotas, e expõe-nos à carnificina por causa da sua estratégia."

Fernando Pessoa, in 'Heróstrato'

domingo, 3 de agosto de 2008





So goodnight my dear
Hope you're feeling well
Hope you're feeling very clear
In this song and rhyme
Thoughts of changes that
Keep ourselves intact
And yes It's hard to fake
but I'm faltering
In the steps I'm about to take
I am sure it's true
What is all for me is much the same to you

If all the statues in the world
Would turn to flesh with teeth of pearl
Would they be kind enough to comfort me
The setting sun is set in stone
And it remains for me alone
To carve my own and set it free

So we wait and see
How this backward chapter reads
In verse inadvertently
And it feels like fading light
But that's all that's left
Only what's left is right
If all the statues in the world
Would turn to flesh with teeth of pearl
Would they be kind enough to comfort me
The setting sun is set in stone

And it remains for me alone
To carve my own and set it free

Jumping from a balloon, A carried aloft by a parachute in June, Twisting round and round, Well I hope the ground is what you find

The setting sun is set in stone
And it remains for me alone
To carve my own

and set it free

"Creio que a intensidade de um sentimento tem que ver com o número de elementos a que se aplica. Penso assim que ele varia na razão inversa do número desses elementos. Quanto maior for o número de filhos, menor é a alegria ou o desgosto que cada um provoca ao pai. O máximo de sentir diz respeito a todos e divide-se portanto por cada um. Se um indivíduo é o chefe de um povo, transfere para a colectividade a sua capacidade de sentir. Assim ele é praticamente insensível perante a sorte de cada um. A famosa insensibilidade de um chefe tem que ver com isso. O mesmo para o autodomínio que se refere a um indivíduo particular. Julgo que na realidade se trata de uma distribuição do seu sentir por vários elementos dos quais por exemplo os filhos (ou ele próprio) são apenas uma fracção. O resto dessa fracção pode ir para os seus negócios, o seu partido político, os seus amigos ou amantes, o seu clube. E então o admitável autodomínio tem apenas que ver com uma parcela do sentir. E com essa parcela já se pode ser forte e aguentar. Isto, se se não trata apenas, como julgo já ter dito, de uma alienação da emotividade e seu motivo, ou seja de um apartá-los de si, de um torná-los estranhos, ou alheios, como na situação vulgar de uma dor que é dos outros e nos não diz portanto respeito. É, de resto, o que até certo ponto eu tento aqui com o caso do Lúcio, reduzindo-o à escrita, ou seja objectivando-o, ou seja, separando-o de mim."

Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 5
"Assim que muitos homens se encontram juntos, perdem-se. A multidão transporta as suas unidades do presente para o passado e precipita-as de cima para baixo: trata-se de um recuo e uma decadência. Todo o homem, lá dentro, converte-se noutro - mas pior. Nas multidões, a união é constituída pelos inferiores e fundada nas partes inferiores de todas as almas. São florestas em que os ramos altos não se entrelaçam, mas apenas, em baixo na escuridão, as raízes terrosas. Todos perdem o que os torna diferentes e melhores, enquanto o antigo rústico - que, entre obstáculos, mordaças e açaimos, parecia aniquilado - acorda e muge. Em todas as multidões, como em toda a Humanidade, os medíocres são infinitamente mais que os grandes, os calmos que os violentos, os simples que os profundos, os primitivos que os civilizados, e é a maioria que cria a alma comum que imbrica e nivela todo o agrupamento de homens.Aquele que em cada um forma o seu superior não pode conformar-se e fundir-se - é a pessoa única e, portanto, incomunicável. Toda a pessoa se opõe às outras, existe enquanto é diferente, não se pode liquefazer num todo. Mas há em cada um de nós, mesmo no maior, um eu inferior, antiquíssimo, bestial, infantil, esquecido, renegado, oculto, refreado - amortecido, mas não morto. Quando os homens se reúnem, o eu superior anula-se e os inferiores, despertados, reconhecem-se e assumem a supremacia. A multidão é niveladora e gosta de decapitar, ainda que metaforicamente. Já não são intelectos ou sentimentos que contrastam, mas instintos elementares que combatem. Quanto mais o homem se eleva, mais a turba se divide. Quando volta a emergir na turba, tem forçosamente de regressar à homogeneidade originária. Nenhum génio se assemelha a outro, mas todos os medíocres são cópias. A altura separa, a baixeza reúne."

Giovanni Papini, in 'Relatório Sobre os Homens'
Para quem julgou definitivo o branco deste serviço, que não se iluda: diz ser nas diaporeses dos nossos dias que vivem pontuais eternidades, coisas que escapam, em contexto, à extinção e que por esse poroso motivo se redobram em surpresas. Por isso, e para os mais pirrónicos na dualidade, temo a informar que DIAPORESE se encontra eternamente aberta, seja lá o que isso for. Servir-me-á.
Até porque, confesso, é Verão, há calor, e eu sei que tu sabes onde eu estou...
- PERDIDO NO ERMO!!!...
....and I just cannot contain this