quarta-feira, 24 de setembro de 2008

'Não confundir amizade (ou amor) com «interesse». É uma máxima canónica. Pois. Mas que amizade (ou amor) não assenta no interesse dela? Porque é o interesse que cria condições não apenas para o interesseirismo mas para a própria amizade. Só nos interessa a amizade de quem nos interessa... Os meus hábitos de vida exigem para as relações o que entre de algum modo nesse hábitos. Nem tem sentido gostar-se de alguém por si mesmo. O «si» mesmo é todo o espaço em que se manifesta. O meu único espaço habitável para os outros é o que lhes invento em alguns livros. No resto vivo só eu.'


Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 1'

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

‘Pelo silêncio, gritos de nós mesmos se estranham, em especial, porque há zonas de silêncio onde poucos sons existem. Preenchidos ou não, menos me interessa: o fumo tem mais consistência em si que o próprio tempo, que este determinado silêncio. Penso conseguir ver o que me vejo pensar… e acho que isso nos basta. Da minha janela o sol dorme redondo sobre outro continente acordado e também isso me dá uma calma resignação. Este ‘agora’ que escrevo, estimo-o como um morto que se enterra. O Presente não vale nada, nele pouco há de sonhador. É um passado suspenso, um ontem que anda sempre connosco e que já foi, não vem, nem vai, não volta, nem fica. Qual a substancia que nos prende ao relógio? É ponderado dar o devido uso a esse ‘já’, que foi substituído por um outro que o irá, e está, agora, a ser também? Parece-me ser no incerto que, pelo menos, ainda, nada está limitado, definido, contornado, estatuído… aprisionado. O calor de um outro quente, a permanência do Presente em todos os meus passos – o futuro não é mais que uma criação para se manter o amanhã, uma mera probabilidade incontornável, uma possibilidade dentro de outras interrogações; algo que a reverter, resultaria numa total aniquilação entre ti e tu, mutuamente. Cabe na cabeça de alguém viver só do futuro ou sem ele? De um dia de amanhã que tarda tanto em chegar e do qual se pretende que demore? É dos planos imaginários que se vive, molestados no nosso presente, visitados quando os queremos, naquele passado. E quantos ontens não queríamos agora, a infectar tudo o que pensamos ser? E quantos amanhãs não desejamos, consignando a ideia de que o agora não é nada daquele futuro que já foi?’

Frank Green, in ‘D.’

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

'Toda a acção é necessariamente mal conhecida. Para que não expressemos contradições de momento a momento, precisamos de uma máscara - como acontece se quisermos ser sedutores. Mas é preferível conviver com os que mentem conscientemente, porque esses também sabem ser verdadeiros conscientemente. Porque, a sinceridade habitual não passa de uma máscara, da qual não temos consciência.'


Friedrich Nietzsche, in 'A Vontade de Poder'

terça-feira, 2 de setembro de 2008

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

"O que habitualmente se sofre (se sente) não se pode contar. Não é só porque isso é normalmente ridículo (porque a grande maior parte do que se pensa e sente é ridículo) e só o que é grande é que cai bem e vale portanto a pena dizer-se. É que o dizer-se altera o que se diz. O sentir é irredutível ao dizer. Só o estar sofrendo diz o sofrer. Na palavra ninguém o reconhece ou reconhece-o de outra maneira, essa maneira em que já o não reconhece o que o conta. Mas dizia eu que a generalidade do que se pensa, sente, é ridícula. São raros os momentos de «elevação». A quase totalidade do tempo passamo-la distraídos, alheados em ideias sem interesse, nascidas de coisas sem interesse, as coisas que vai havendo à nossa volta ou no nosso divagar imaginativo ou que nem sequer chega a haver porque há só a abstracção total no quedarmo-nos pregados às coisas que nem vemos nem nos despertam ideia alguma e estão ali apenas como ponto de fixação do nosso absoluto vazio interior."

Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente

"Somos falsos de maneiras diferentes. Há homens falsos que querem parecer sempre o que não são. Outros há de melhor fé, que nasceram falsos, se enganam a si próprios o nunca vêem as coisas tal como são. Há alguns cujo espírito é estreito e o gosto falso. Outros têm o espírito falso, mas alguma correcção no gosto. E ainda há outros que não têm nada de falso, nem no gosto nem no espírito. Estes são muito raros, já que, em geral, não há quase ninguém que não tenha alguma falsidade algures, no espírito ou no gosto. O que torna essa falsidade tão universal, é que as nossas qualidades são incertas e confusas e a nossa visão também: não vemos as coisas tal como são, avaliamo-las aquém ou além do que elas valem e não as relacionamos connosco da forma que lhes convém e que convém ao nosso estado e às nossas qualidades. Esse erro de cálculo traz consigo um número infinito de falsidades no gosto e no espírito: o nosso amor-próprio lisonjeia-se como tudo que se nos apresenta sob a aparência de bem; mas como há várias formas de bem que sensibilizam a nossa vaidade ou o nosso temperamento, seguimo-las muitas vezes por hábito ou por comodidade; seguimo-las porque os outros as seguem, sem considerar que um mesmo sentimento não deve ser igualmente adoptado por toda a espécie de pessoas, e que devemos apegar-nos a ele, mais ou menos profundamente, consoante convém, mais ou menos, àqueles que o seguem.Em geral, receamos ainda mais mostrar-nos falsos pelo gosto do que pelo espírito. As pessoas de bem devem aprovar sem prevenções o que merece ser aprovado, seguir o que merece se seguido e não se melindrar com nada. Mas nisto é necessário um grande equilíbrio e uma grande justeza; é necessário saber discernir o que é bom em geral e o que nos é próprio, e seguir então a inclinação natural que nos leva ao encontro das coisas que nos agradam. Se os homens se contentassem em ser grandes pelo seu talento e pelo cumprimento dos seus deveres, não haveria nada de falso no seu gosto nem na sua conduta; mostrar-se-iam tal qual são; julgariam as coisas com a inteligência e a elas se apegariam pela razão; haveria equilíbrio nos seus pontos de vista e nos seus sentimentos; o seu gosto seria verdadeiro, viria de si mesmos, não dos outros, e segui-lo-iam por opção, não por costume ou por acaso. Se somos falsos ao aprovar o que não deve ser aprovado, não o somos menos, ao pretender fazermo-nos valer com qualidades que são boas, mas que nos não convêm: um magistrado é falso quando se gaba de ser valente, embora possa ser ousado em determinadas situações; deve aparentar firmeza e segurança durante uma sedição que lhe compete acalmar, sem recear ser falso, mas tornar-se-ia falso e ridículo se se batesse em duelo. Uma mulher pode gostar de ciências, mas nem todas lhe convêm; obstinar-se em estudar algumas nunca lhe convém e é sempre falso. É necessário que a razão e o bom senso saibam dar o justo valor às coisas e que elas determinem o nosso gosto a dar-lhes o lugar que merecem e que nos convém dar-lhes; mas quase todos os homens se enganam sobre esse valor e essa importância e há sempre falsidade nessa avaliação."


La Rochefoucauld, in 'Reflexões'