Para a Guigas
Lembras-te da estória que te contei da pedra e da flor? Hoje como em todos os dias, continua a ser verdade... (achei que gostarias de saber)
alarvidade proferida por Antonio Pereira Dias at 11/17/2004 2 bitaites
'Pode-se dizer que, muito plausivelmente, há uma ignorância abecedária que precede o saber e uma outra, doutoral, que se lhe segue, ignorância esta que o saber produz e engendra da mesma maneira que desfaz e destrói aqueloutra. Dos espíritos simples, menos curiosos e menos instruídos, fazem-se bons cristãos, que, por reverência e obediência, com simplicidade, crêem e mantêm-se submissos às leis. É nos espíritos de vigor e capacidade médios que se engendram as opiniões erróneas, pois eles seguem a aparência das suas primeiras impressões e têm pretextos para interpretar como simpleza e estultícia o nosso apego aos antigos usos, considerando que nós aí não chegámos por via do estudo dessas matérias. Os grandes espíritos, mais avisados e clarividentes, constituem um outro género de bons crentes: por meio de uma aturada e escrupulosa investigação, penetram nas Escrituras até atingir uma luz mais profunda e abstrusa, e entendem o misterioso e divino segredo da nossa política eclesiástica. Vemos, porém, alguns, com maravilhoso proveito e com consolidação da sua fé, chegarem, através do segundo, a este último nível, como o extremo limite da inteligência cristã, e rejubilar na sua vitória com refrigério, acções de graças, reformas dos costumes e grande modéstia. Não entendo nesta categoria situar aqueloutros que, para se purgarem da suspeita dos seus passados erros e para ganharem a nossa confiança, tornam-se extremistas, insensatos e injutos defensores da nossa causa, a qual maculam com infindos e repreensíveis actos de violência.Os camponeses simples são gente honesta e gente honesta são os filósofos, ou seja, aqueles que, tanto quanto o permitem os nossos tempos, possuem naturezas fortes e ilustres, enriquecidas de um grande cabedal de conhecimentos úteis. Os «mestiços», que desdenharam o primeiro estado - o da ignorância das letras - e não conseguiram atingir o outro, estando o seu cu entre duas selas (e no seu número eu, com tantos outros, me incluo), são perigosos, ineptos e importunos: são eles que trazem transtorno ao mundo. Por isso, no que me diz respeito, recuo tanto quanto posso para esse primeiro estado natural, do qual em vão tentei me afastar. A poesia popular, puramente espontânea, tem encantos e graças pelas quais se compara à beleza superior da poesia artisticamente perfeita, como se vê nos vilancicos gascões e nas canções que nos foram trazidas de nações sem conheciemnto de nenhuma ciência e nem mesmo da escrita. A poesia mediana, que se situa entre essas duas, é desprezível e indigna de ser honrada e apreciada. (...) se estes ensaios fossem dignos de serem reflectidos, poderia ocorrer, em minha opinião, que eles não agradassem aos espíritos comuns e vulgares, nem tão-pouco aos singulares e excelentes - aqueles não os entenderiam suficientemente, estes, entendê-los-iam bem de mais - e só poderiam sobreviver na região intermédia.'
Michel de Montaigne, in 'Ensaios - Das Vãs Subtilezas'
Put your lovin' hand out, baby
I'm beggin'Beggin', put your lovin' hand out, babyBeggin' you, put your lovin' hand out, babyRidin' high when I was kingPlayed it hard and fast cause I had everythingWalked away, wonderin' thenBut easy come and easy go and it would endI'm beggin' you, won't you give your hand out, babyBeggin', put your lovin' hand out, babyI need you to understandThat I tried so hard to be a manThe kind of man you'd want in the endOnly then can I begin to live againAn empty shell I used to beShadow of my life is hangin' over meBroken man that I don't knowWill leave it standing, devil's dancing with my soulBeggin' you, won't you give your hand out, babyBeggin', put your lovin' hand out, babyI'm fightin' hard to hold my ownNo, I just can't make it all aloneI'm holdin' on, I can't fall backNow that big brass ring is a shade of blackI'm beggin' you, give your hand out, babyBeggin', won't you put your lovin' hand out, baby
"Se, por um daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a realidade com o fito de a compreender, quisermos resumir num síndroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo. O facto é triste, mas não nos é peculiar. De igual doença enfermam muitos outros países, que se consideram civilizantes com orgulho e erro. O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela — em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz. O síndroma provinciano compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de ironia. Se há característico que imediatamente distinga o provinciano, é a admiração pelos grandes meios. Um parisiense não admira Paris; gosta de Paris. Como há-de admirar aquilo que é parte dele? Ninguém se admira a si mesmo, salvo um paranóico com o delírio das grandezas. Recordo-me de que uma vez, nos tempos do "Orpheu", disse a Mário de Sá-Carneiro: "V. é europeu e civilizado, salvo em uma coisa, e nessa V. é vítima da educação portuguesa. V. admira Paris, admira as grandes cidades. Se V. tivesse sido educado no estrangeiro, e sob o influxo de uma grande cultura europeia, como eu, não daria pelas grandes cidades. Estavam todas dentro de si".O amor ao progresso e ao moderno é a outra forma do mesmo característico provinciano. Os civilizados criam o progresso, criam a moda, criam a modernidade; por isso lhes não atribuem importância de maior. Ninguém atribui importância ao que produz. Quem não produz é que admira a produção. Diga-se incidentalmente: é esta uma das explicações do socialismo. Se alguma tendência têm os criadores de civilização, é a de não repararem bem na importância do que criam. O Infante D. Henrique, com ser o mais sistemático de todos os criadores de civilização, não viu contudo que prodígio estava criando — toda a civilização transoceânica moderna, embora com consequências abomináveis, como a existência dos Estados Unidos. Dante adorava Vergilio como um exemplar e uma estrela, nunca sonharia em comparar-se com ele; nada há, todavia, mais certo que o ser a "Divina Comédia" superior à "Eneida". O provinciano, porém, pasma do que não fez, precisamente porque o não fez; e orgulha-se de sentir esse pasmo. Se assim não sentisse, não seria provinciano. É na incapacidade de ironia que reside o traço mais fundo do provincianismo mental. Por ironia entende-se, não o dizer piadas, como se crê nos cafés e nas redações, mas o dizer uma coisa para dizer o contrário. A essência da ironia consiste em não se poder descobrir o segundo sentido do texto por nenhuma palavra dele, deduzindo-se porém esse segundo sentido do facto de ser impossível dever o texto dizer aquilo que diz. Assim, o maior de todos os ironistas, Swift, redigiu, durante uma das fomes na Irlanda, e como sátira brutal à Inglaterra, um breve escrito propondo uma solução para essa fome. Propõe que os irlandeses comam os próprios filhos. Examina com grande seriedade o problema, e expõe com clareza e ciência a utilidade das crianças de menos de sete anos como bom alimento. Nenhuma palavra nessas páginas assombrosas quebra a absoluta gravidade da exposição; ninguém poderia concluir, do texto, que a proposta não fosse feita com absoluta seriedade, se não fosse a circunstância, exterior ao texto, de que uma proposta dessas não poderia ser feita a sério. A ironia é isto. Para a sua realização exige-se um domínio absoluto da expressão, produto de uma cultura intensa; e aquilo a que os ingleses chamam detachment — o poder de afastar-se de si mesmo, de dividir-se em dois, produto daquele "desenvolvimento da largueza de consciência" em que, segundo o historiador alemão Lamprecht, reside a essência da civilização. Para a sua realização exige-se, em outras palavras, o não se ser provinciano. O exemplo mais flagrante do provincianismo português é Eça de Queirós. É o exemplo mais flagrante porque foi o escritor português que mais se preocupou (como todos os provincianos) em ser civilizado. As suas tentativas de ironia aterram não só pelo grau de falência, senão também pela inconsciência dela. Neste capítulo, "A Relíquia", Paio Pires a falar francês, é um documento doloroso. As próprias páginas sobre Pacheco, quase civilizadas, são estragadas por vários lapsos verbais, quebradores da imperturbabilidade que a ironia exige, e arruinadas por inteiro na introdução do desgraçado episódio da viúva de Pacheco. Compare-se Eça de Queirós, não direi já com Swift, mas, por exemplo, com Anatole France. Ver-se-á a diferença entre um jornalista, embora brilhante, de província, e um verdadeiro, se bem que limitado, artista. Para o provincianismo há só uma terapêutica: é o saber que ele existe. O provincianismo vive da inconsciência; de nos supormos civilizados quando o não somos, de nos supormos civilizados precisamente pelas qualidades por que o não somos. O princípio da cura está na consciência da doença, o da verdade no conhecimento do erro. Quando um doido sabe que está doido, já não está doido."
“ Não pretendo realizar uma ambição incógnita mas apenas exprimir textualmente o que tenho prendido nos confins da mente. Aliás, creio que isto não é mais do que uma insolência para comigo e por isso, se a compreensão for inexistente e te estimular à crítica, pondera o egoísmo patente nesta carta e resigna-te.
Escrevo do anonimato porque me é mais fácil. Deixo desde já claro que nenhum mal te desejo e está ainda mais translúcida a minha recusa em provocar-mo. Sempre que se cria um filtro entre nós e o mundo físico, todas as insuportabilidades se transformam e é mais pacífico o discurso que se dispõe a fazer. Inexiste o julgamento alheio, coisa cruel, e reina uma artificial serenidade que apesar de aparente é satisfatória e serve a ocasião.
Queria muito ter coerência neste discurso embora tal se tenha demonstrado uma tarefa insuficiente a muitos níveis. Compreendo cada vez mais a dificuldade em demonstrar a sensação quando é pressentido, ao mesmo tempo, a expressão tacanha e diminuta que a palavra transmite quando verbalizada, comparativamente
Há estados que não são passíveis de formatar ou exigir-lhes justificação. Circunstancias que nos caem ao colo, que perduram, que nunca ambicionámos e que ainda assim, detêm um odor tão familiar que equacionamos a hipótese de terem estado sempre presentes nalguma parte do nosso inconsciente, adormecidas. Condições indomáveis, feitas de toxinas, que nos tomam de assalto e estilhaçam a lógica.
Idealizei-te durante uma parcela de tempo que não sei quantificar com precisão, e nutro hoje uma certa vergonha por isso. O que te queria dizer naquela altura não cabe nesta folha. Foste um colosso entre o meu raciocínio e a minha razão, senti-te o motivo de todos os meus passos no passado. Vivi uma atracção indomável, reacções químicas muito superiores à minha decisão, coisa que ainda agora acontece mas com um pouco mais de conformação – sei que não me pertencem, sinto que o teu percurso é outro.
Há muito que o sonho já desertou - em mim, sei que sempre o vivi. Tive sensações que se firmaram cansaço, que ocuparam toda a extensão do espírito e agora que as penso outra vez, o desejo é exactamente o mesmo mas a ambição é impossível. És tu quem o meu pensar vai transportando. Crescer por dentro, cá a trás, foi a conclusão desta real experiencia. Faltei-me em tantos momentos que olhando para tudo o que julgo termos passado, pressinto um desconhecido. Acreditar em nós foi um conforto, uma derrota que desafiou. Não vou escrever-te o quanto me arrependo, não afirmo que perdi a cadencia nem o compasso. Apenas tenho agora uma estranha sensação, meia torta e meia direita, que, de qualquer das maneiras, as coisas vão dar certas a um mesmo ponto. Desejo muito que te seja possibilitada a oportunidade de sentires o mesmo porque ainda que parte de uma ilusão é um milagre instantâneo, onde a pergunta se dissolve muito antes de qualquer resposta. Exprimo um decidido adeus por nunca teres sido quem eu gosto de pensar que és e vou limitar a minha saída à mesma forma da entrada: sem nunca ter aberto a porta e sem te entregar qualquer chave. "
Frank Green, in 'Diaporese'