quarta-feira, 12 de maio de 2010

"Já me estão a cansar... parem lá com a mania de que digo muitos palavrões, caralho! Gosto de palavrões! Como gosto de palavras em geral. Acho-os indispensáveis a quem tenha necessidade de dialogar... mas dialogar com caracter! O que se não deve é aplicar um bom palavrão fora do contexto, quando bem aplicado é como uma narrativa aberta, eu pessoalmente encaro-os na perspectiva literária! Quando se usam palavrões sem ser com o sentido concreto que têm, é como se estivéssemos a desinfectá-los, a torná-los decentes, a recuperá-los para o convívio familiar. Quando um palavrão é usado literalmente, é repugnante.Dizer "Tenho uma verruga no caralho" é inadmissível. No entanto, dizer que a nova decoração adoptada para a CBR 900' 2000 não lembra ao "caralho", não mete nojo a ninguém. Cada vez que um palavrão é utilizado fora do seu contexto concreto e significado, é como se fosse reabilitado. Dar nova vida aos palavrões, libertando-os dos constrangimentos estritamente sexuais ou orgânicos que os sufocam, é simplesmente um exercício de libertação.Quando uma esferográfica não escreve num exame de Estruturas "ah a grande puta... não escreve!", desagrava-se a mulher que se prostitui.Em Portugal é muito raro usarem-se os palavrões literalmente. É saudável. Entre amigos, a exortação "Não sejas conas", significa que o parceiro pode não jogar um caralho de GT2. Nada tem a ver com o calão utilizado para "vulva", palavra horrenda, que se evita a todo o custo nas conversas diárias.Pessoalmente, gosto da expressão "É fodido..." dito com satisfação até parece que liberta a alma! Do mesmo modo, quando dizemos "Foda-se!", é raro que a entidade que nos provocou a imprecação seja passível de ser sexualmente assaltada. Por ex.: quando o Mário Transalpino "descia" os 8 andares para ir á garagem buscar a moto e verificava que se tinha esquecido de trazer as chaves... "Foda-se"!! não existe nada no vocabulário que dê tanta paz ao espirito como um tranquilo "Foda-se...!!". O léxico tem destas coisas, é erudito mas não liberta. Os palavrões supostamente menos pesados como "chiça" e "porra", escandalizam-me. São violentos.Enquanto um pai, ao não conseguir montar um avião da Lego para o filho, pode suspirar após três quartos de hora, "ai o caralho...", sem que daí venha grande mal à família, um chiça", sibilino e cheio, pode instalar o terror. Quando o mesmo pai, recém-chegado do Kit-Market ou do Aki, perde uma peça para a armação do estendal de roupa e se põe, de rabo para o ar, a perguntar "onde é que se meteu a puta da porca...?", está a dignificar tanto as putas como as porcas, como as que acumulam as duas qualidades.Se há palavras realmente repugnantes, são as decentes como "vagina", "prepúcio", "glande", "vulva" e escroto". São palavrões precisamente porque são demasiadamente ínequívocos... para dizer que uma localidade fica fora de mão, não se pode dizer que "fica na vagina da mãe" ou "no ânus de Judas". Todas as palavras eruditas soam mais porcas que as populares e dão menos jeito! Quem é que se atreve a propor expressões latinas como "fellatio" e "cunnilingus"? Tira a vontade a qualquer um! Da mesma maneira, "masturbação" é pesado e maçudo, prestando-se pouco ao diálogo, enquanto o equivalente popular "esgalhar um pessegueiro", com a ressonância inocente que tem, de um treta que se faz com o punho, é agradavelmente infantil. Os palavrões são palavras multifacetadas, muito mais prestáveis e jeitosas do que parecem. É preciso é imaginação na entoação que se lhes dá. Eu faço o que posso."

Miguel Esteves Cardoso

3 comentários:

Unknown disse...

Foda-se, 'tava a ver que nunca mais postavas, caralho!

PS: que merda de comentário tão óbvio, não é?

The Walrus disse...

'Demócrito ria sempre: logo nunca ria. A consequência parece difícil e é evidente. O Riso, como dizem todos os Filósofos, nasce da novidade e da admiração e cessando a novidade ou a admiração, cessa também o riso; e como Demócrito se ria dos ordinários desconcertos do mundo, e o que é ordinário e se vê sempre não pode causar admiração nem novidade; segue-se que nunca ria, rindo sempre, pois não havia matéria que motivasse o riso.' Padre António Vieira

Caro Zé, é com espanto que te vejo regresso (sim pode-se utilizar assim como adjectivo, se o Agualusa o é, tb eu sou criador de língua, tal como tu e todos os delicados no falar o serão).

Quinta passada fui tirar um cravo do dedo. Claro que não lhe chamaram cravo, tinham um nome pericial que não decorei. Tal como se te partirem, porventura, o vidro do carro a meio da noite na garagem para levarem uns phones da apple não te furtaram; roubaram-te. Mas os técnicos têm destas coisas. Fizeram-me uma queimadura a frio com azoto líquido a 170 graus negativos. Longe vão as pomadas. No dia a seguir a esse, cortaram-me a bolha como quem lamina um morango para servir em cima dum petit gateau. Ardeu. Mas pensas que despojei o espírito de desalentos, soltando um palavrão, tal como a enfermeira me incentivava, depois de se rir, longa e obscena, por eu não querer andar na rua com uma ferida aberta? 0,4% de 10 milhoes é muita gente! Aguentei com o estoicismo dum proponente ao 'fiel ou infiel', costas direitas, expressão cerrada, olhos no bisturi. Digeri a imagem do meu dedo incompleto com o motivo dos que se presumem. Sem um foda-se, que não me redime, mas vulgariza. E nada há pior que isso, sejam arrumadores de carros, suburbanos a ler na FNAC ou paneleiros. Nada há pior que a indistinção. Talvez apenas não haver nada depois da morte. Isso seria pior. Mas nós continuamos aqui na mesma. Isto para dizer, e adoro rematar assim, gostei de te ler, vai escrevendo mais, divulga o teu blog a gajas, impressiona-as, dissemina o pretenso assexualismo new age, inventa utopias novas ou confia-te a estados letárgicos; mas vai escrevendo.

EL PATRON

The Walrus disse...

são 3,30 da manhã. no teu blog marca 19:30? estas a mandar um fuso horario